quinta-feira, 30 de novembro de 2017

INACABAMENTO




Inacabamento

Olho coisas suspensas.
Fui colocando-as ali, uma a uma, num rito de desapego.
São coisas no aguardo de completude.
Estão perfiladas e me olham por tempos lentos.

Há desenhos de corpos nús em perspectivas confusas.
Foi quando tentei ser perfeita e deixei tudo torto.
Desenhos tortos e aleijados.
Falta-lhes a textura da pele, o pulsar de entranhas e os contornos delgados.
Eles me olham.

As tintas que escolhi estão embaçadas
Ou misturadas, ou velhas. Não sei ao certo!
Só sei que não servem mais.
Quando as escolhi riram na direção dos meus olhos.
Eram tintas vivas.
Naquele tempo, conversávamos em rodas de amigas.
Em brincadeiras de sermos loucas nos pintávamos a rolar pelo chão da sala.
Agora são tintas aquietadas e mudas.

Certa vez abstrai.
Foi quando pintei um desenho com o amarelo da tinta.
Fiz um céu amarelo com nuvens de fim de tarde.
Depois. Logo depois me perdi em contemplação. Não voltei mais.
Agora são tintas desbotadas de cor. Estão ali, de mãos dadas.
Também me olham, secas.

Em ganchos enferrujados há vestidos capengas que se agitam ao sabor dos ventos.
Dançam como parangolés desengonçados.
Giram, giram ... enlouquecem, giram e param no mesmo lugar.
Rendas, tules, brocados e fitas se desprendem por costuras rotas.

Em envelopes lacrados suspendi as palavras.
Impróprias, inadequadas, de lugar nenhum. Ocas de sentido.
Sinto-as me ferindo em procura.
Sei da responsabilidade que tenho com as palavras.
Por isso fico envergonhada diante delas, ali, enlutadas com os olhos esbugalhados.
São os olhos das palavras que mais me ferem.
O grito, também.
Ouço o grito rouco das palavras.


Todos aguardam por um gesto de perdão.