Era uma vez uma menina que
veio depois.
Chegou depois que todos já
estavam lá e disse: cheguei.
Os pés que vieram
descalços ficaram assim, descalços por muitos anos pisando nas areias e folhas dos
quintais.
Os cachos dos cabelos eram
dourados e finos como os de uma espiga de milho. A irmã mais velha queria ter o
cabelo assim.
Um dia acordou se sentido
uma espiga madura e começou a debulhar-se correndo atrás das galinhas.
Andava pelas roças em
passos muito largos para suas pernas miúdas, atrás de adultos apressados. Pressa
para plantar, ver crescer, colher e alimentar. Atentar-se para os tocos, galhos,
barulhinhos sutis e o cheiro das coisas. Esgueirar-se por caminhos estreitos
sentindo o sabor do mistério.
Tudo na mesma experiência.
Atenta, porque tinha medo.
Medo de lagarta,
de cobra,
de gente escondida atrás das
moitas,
de bicho feio,
de não chegar primeiro,
de não haver mais
melancias no pé,
da água do açude secar,
da mãe não voltar,
do mau humor dos adultos,
de sumir na roça de milho,
do chifre das cabras,
de vaca parida.
Medo do fantasma que
aparecia no Alto da Sepultura nas noites de lua cheia. O fantasma vinha montado
em cavalo que avançava soltando luz de fogo para todos os lados. Mas é um
fantasma bonzinho, diziam para as crianças de olhos arregalados.
Medo de o dia acabar.
A tarde entardecia com
sonoras cantigas que adentravam pelo breu das noites. Primeiro os pássaros aninhando-se
em deliciosas carícias. As corujas, os sapos, o movimento das estrelas. Do fogão
a lenha um crepitar melancólico no preparo da última refeição do dia. E todos
olhavam para a mesma direção seduzidos pelo encantamento do fogo.
A menina silenciava em
contrição e respeito.
O amor à terra, ao fogo, ao
vento, ao silêncio vem desse tempo.
O amor às águas também, de
quando saltitava nas poças que a chuva deixava.
Foi no espelho das poças d’água
que viu refletido o mapa que desenharia na composição do porvir.