sexta-feira, 15 de maio de 2020

Retrato de Mãe






Pelas frestas da saia rota vejo o teu retrato.
Em pose para foto, acaricia, faceira, um galho da planta suspensa.
Mesmo você, tão dada às coisas simples, fez que era modelo de revista.
Mas o sorriso ficou preso em algum lugar doído do passado.
Desculpe mãe, pela dor que causei.

Minha irmã disse que você era feliz e que até dançava.
Memória de irmã mais velha que não sabe o que é ser irmã caçula.
Disse, ainda, que você sonhava.
E cantava.
Cantava músicas de adubar canteiros e de abrir misteriosas trilhas.
Desculpe mãe, não lembro da tua felicidade.

Mas lembro do cheiro da saia passando para ir e para vir.
Num encantamento que me levava para ver de perto o vigor do dia.
Eu quis inventar diferentes caminhos e você disse:
(Não lembro, mamãe, o que você disse.)

Do retrato vejo-a sair para o labor que jamais acaba.
Por onde passa vai deixando sulcos profundos dos passos cansados.
Acompanho nesses rastros a família grande e o suor da caminhada.

Confusa, outra vez, não lembro se te conheci.
Mas fico aqui olhando esse retrato porque sinto o cheiro da saia rota.

Ao longe escuto o barulho dos silêncios que cercaram os teus dias.

Agora eu sei, mamãe. Só agora!
Por que você fez de mim, o homem da casa.

QUARENTENA




Devolveram as praias
As trilhas
As encostas
O barulho das cachoeiras
As pegadas.

Gaivotas passeiam livremente pelas praias.
Conchinhas vão e voltam sob um céu embevecido.
Ao longe, ondas se anunciam em sons de espuma.
Um pássaro pula uma onda e vai.

Coqueiros trocam alegremente suas impressões do dia.
A suave voz dos coqueiros.
Nas impressões do dia.

Ninguém para interromper.
Saíram os banhistas, os vendedores, a poluição das barracas.
A latinha de cerveja e as pontas de cigarros.

Ouve-se o pulsar dos pulmões da Terra.
O Planeta Terra repousa.