quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Ene Lembranças




No quintal da casa havia um açude.
São tão fortes as lembranças da infância!
Fortes e perenes como sombras.
Assim era:
Dois pés de mangas e um de cajás cresceram junto às águas.
Desse último caíam lagartas gordas. Ploft!
Horror de menina que tem medo de lagarta.
Ploft... Ainda escuto.
Depois rolavam vivas, para nadar nos anéis do açude.
Eu cantarolava em disfarces para ninguém saber daquele medo.
Os adultos são cruéis.

Infância de boca lambuzada com manga e o amargor sonoro das cajás.
Amarelinhas!
Naquele quintal eram muitas estações ao mesmo tempo, cada uma com o seus encantos e medos.
A das goiabas durava o ano todo.
As galinhas dormiam nos galhos da goiabeira.
Goiaba com gosto de cocô de galinha servido no café da manhã.
“Não inventa menina.”
“Vai catar pequi que deve ter caído de bom com a chuva da noite.”

Pata na frente, patinhos atrás deixavam suaves ondas na água turva do açude.
Contemplação!
Em algum canto da borda os sapos ficavam.
Escondidos.
Eu sabia.
À noite enchiam o silêncio com a melancolia cadenciada de suas cantigas.
Tendo pouco a dizer, os que falam se calavam em meditação.
Carros (poucos, muito poucos) passavam na piçarra e deixavam sapos encantados com as tripas pra fora.

Minha cunhada conta que quando a luz elétrica chegou muitos sapos se perderam de encantamento mirando os postes.
E os galos começavam a cantar qualquer hora da noite. Atordoados com a luz.
(É minha cunhada quem conta.)

Agora precisamos de uma cerca nova.
Mas há um açude no meio.
Alguém falou que só precisa fazer a cerca até onde o papai tomava banho.
É a cerca que traz essas lembranças.
Como vou saber onde papai tomava banho?
Já faz tanto tempo...


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