sexta-feira, 8 de setembro de 2017

A Falta que Faz



Falta de espaços vazios, de sonhos não realizados.

Sinto, dolorosamente, a falta que faz uma dose certa de dor.
Aquela dor da indiferença quando o que queremos, mesmo que por um só instante, é um olhar apaixonado.
Do telefone que não toca depois daquele encontro cheio de promessas, que guardamos outra vez, com o zelo de quem tem fé.
Dor de ver, repetidas vezes, a esperança de amor... morrer.
Isso dói, pra caramba! Dói junto, a dor da culpa.
Isso faz falta.

Sinto falta de um tempo que seja só meu, egoísta e livre para sentar no bar e ser confundida com uma vadia solitária.
De ver os cochichos e olhares fugidios que se escondem em disfarces e rituais de pena.
Falta de um tempo para o descuido: sem maquiagem, sem banho, sem pente nos cabelos. Descalça como uma peregrina.

É isso. Sinto falta do que faz uma solidão.
Sem interrupções para abraços, afetos ou outras crendices, mergulhar no vazio de uma vida desprovida de ninhos ou camas quentes.
Desprovida de encontros, de vozes doces, de sorrisos ou de brindes em taças de cristais.
Nenhum chamado, por engano que seja para responder em acenos débeis.

Falta de solidão.
A solidão que faz brotar tangos, boleros e sambas-canção. Tudo em forma de poesia.
E na solidão cultivar silêncios intermináveis, prenhes de fertilidade.
Contornar com pincéis rotos os corpos que já se foram em fuga. Banhar em suaves aquarelas almas ausentes.

Ninguém para oferecer água ou café, chegar ou sair. Dizer sim ou dizer não. Apenas a mesa posta, vazia, espichando-se no abandono dos que jazem.
Esbanjar-me na sensação das lacunas profundas, de tempos e espaços expostos somente para os santos e os deuses se compadecerem.
Sinto falta de cantos para me encolher e ser quase nada. De lá delirar em lamentos a dor de sentir.
Dor que dilacera a vida dos que não aprenderam a amar.

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